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Laura Ignacio
Advogados de empresas em recuperação judicial estão buscando novas estratégias jurídicas na tentativa de derrubar a chamada "trava bancária", mecanismo pelo qual os bancos, em alguns casos, ficam de fora do rol de credores com créditos suspensos pela concessão da recuperação pela Justiça. Isso ocorre quando os bancos concedem às empresas empréstimos por meio de um instrumento chamado de alienação ou cessão fiduciária de recebíveis futuros. Na prática, significa que a garantia dada pela empresa é o faturamento obtido com a produção financiada pelo banco - tipo de contrato que tem se tornado cada vez mais comum, principalmente no varejo, justamente por conta do menor risco de inadimplência.
A nova Lei de Falências - a Lei nº 11.101, de 2005 - não inclui a alienação ou a cessão fiduciária expressamente quando descreve quais créditos entram na recuperação e, assim, têm sua cobrança suspensa. Mas advogados que atuam na área falimentar afirmam que a trava bancária praticamente impede que o negócio se recupere. Eles argumentam que, quando uma companhia em crise acaba por recorrer à recuperação judicial para tentar se reerguer, caso tenha contratos dessa espécie, não consegue fazer com que pare dinheiro em seu caixa. Isso porque, no momento em que um cliente recebe os produtos da empresa em recuperação, o pagamento pelas mercadorias vai direto para o banco.
Uma das teses que vêm sendo testadas no Poder Judiciário para derrubar a trava bancária defende que, segundo a Lei nº 10.931, de 2004, que dispõe sobre cédulas de crédito bancário, somente é possível ceder direitos sobre uma coisa móvel presente, mas nunca futura. Outra tese defende o direito da empresa à substituição da alienação fiduciária por outros bens.
A primeira tese jurídica está sendo usada por três empresas em juízo, mas ainda não há decisão da Justiça a respeito. O advogado Thomas Felsberg, do escritório Felsberg Advogados, que as representa, afirma que ou a Justiça acolherá a tese ou as empresas correm sério risco de morrer, pois ficarão sem capital de giro. "O princípio básico da Lei nº 11.101 é possibilitar capital de giro para que as empresas possam se recuperar financeiramente", afirma. Para o advogado, excluir a alienação fiduciária da recuperação judicial é favorecer os bancos. O advogado lembra ainda que privilegiar determinados credores é crime, cuja pena pode chegar a seis anos de reclusão, de acordo com a nova Lei de Falências.
A segunda estratégia - de pedir a substituição da alienação fiduciária por bens - já foi inclusive aceita pela primeira instância da Justiça paulista. O juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Justiça de São Paulo, Alexandre Alves Lazzarini, autorizou uma empresa a substituir por outros bens valores depositados após a recuperação judicial em razão de um contrato de cessão fiduciária com um banco. Mas o advogado Júlio Mandel, especialista em falências que representa a empresa, pondera que se o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não alterar esse entendimento, o instituto da recuperação perderá a eficácia. "Se o devedor sabe que, se vender, o dinheiro irá para o banco, deixa de produzir, o que acaba sendo ruim para o próprio banco a médio prazo", diz. "Mas a maioria dos bancos tem se mostrado imediatista, preferindo não liberar os recursos para a empresa", garante Mandel.
Os advogados esperam com ansiedade que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) defina a questão. Os tribunais de Justiça de São Paulo e do Paraná (TJPR) são contrários ao entendimento de que a alienação fiduciária entra na recuperação judicial, enquanto os tribunais do Espírito Santo (TJES) e Mato Grosso (TJMT) são favoráveis. Em novembro, por exemplo, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do TJSP rejeitou o recurso de uma empresa de estamparia que pedia a suspensão dos pagamentos a um banco em relação aos créditos com garantia fiduciária. Com base na nova Lei de Falências, os desembargadores entenderam que só com a aprovação do banco esses créditos entrariam na recuperação. Já a 3ª Câmara Cível do TJES negou o pedido de uma fábrica de móveis para incluir títulos de crédito garantidos por cessão fiduciária na recuperação judicial. Em seu voto, o desembargador Jorge Góes Coutinho argumentou que esses títulos não são especificados na lei.
No caso de receitas futuras de cartão de crédito, o advogado Gilberto Giansante, do escritório Yunes, Giansante & Pereira Lima Advogados Associados, entende que os montantes não podem ser incluídos na recuperação judicial porque os valores dos créditos já seriam conhecidos. Mas o advogado afirma ser totalmente contra a exclusão quando se trata de alienação fiduciária da produção futura da empresa. "A situação fica semelhante à penhora de faturamento, sem limite", diz. Giansante lembra que há um projeto de lei que inclui a alienação fiduciária no rol de créditos que entram no plano de recuperação judicial. Em breve, o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre) deve apresentar ao Congresso Nacional uma proposta (leia matéria ao lado) nesse sentido, além de outras com o objetivo de modificar a nova Lei de Falências.