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Valter Caldana jamais esqueceu quando foi levado pelos pais para ver a construção de um prédio que marcaria para sempre a fisionomia urbana da maior cidade do Brasil. Era meados de 1967 e os olhos do menino de 5 anos brilharam ao ver aquele gigante de concreto que parecia flutuar, sem que colunas o sustentassem, em plena Avenida Paulista. Um ano depois, o edifício seria inaugurado para abrigar o Museu de Arte de São Paulo (Masp), projeto da arquiteta italiana Lina Bo Bardi e marco na arquitetura do século 20. A imagem do prédio em construção ficou guardada num canto obscuro do cérebro do garoto.
Cerca de 10 anos mais tarde, já como estudante do Colégio Bandeirantes, no bairro do Paraíso, ele atravessava a Avenida Paulista todos os dias para ir da sua casa, em Pinheiros, até a escola. Além do Masp, já havia outros diversos edifícios marcantes na principal via da cidade. E aquele monte de gente circulando de um lado a outro. Foi quando o adolescente decidiu o que queria fazer da vida: projetar prédios e casas. Pouco depois, entrou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), onde também fez Mestrado e Doutorado.
Hoje, aos 62 anos, Caldana é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, coordena o Núcleo de Estudos Urbanos (NEU) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e comanda o próprio escritório, o Espaço e Tempo Arquitetura e Urbanismo. Considerado um dos maiores especialistas do Brasil no assunto, ele fala, em entrevista exclusiva, sobre os desafios para tornar o Centro de São Paulo mais atraente para moradores, comerciantes e empresários, aponta soluções para os problemas da região, analisa o projeto Vem Pro Centro, da ACSP, e cita a importância de se dar uso adequado à zona central da cidade. “É preciso priorizar a qualidade da vida urbana”, disse o arquiteto.
Diário do Comércio: Uma de suas especialidades é o uso dos espaços públicos. O que precisa ser feito para melhorar essa questão no Centro Histórico de SP?
Valter Caldana: Da década de 1970 até o início de 2000, o Centro de São Paulo viveu um período muito negativo, de esquecimento por parte do Poder Público. A região perdeu charme, importância estratégica e fluxo de dinheiro. Consequentemente, a população também perdeu o prazer de estar no Centro. Eu comparo as áreas urbanas com os ambientes de uma casa. O Centro de São Paulo virou um mero corredor, um espaço pelo qual as pessoas simplesmente passam. Precisamos transformar esse espaço na sala de estar, uma parte da cidade na qual o cidadão se sinta bem, goste de ficar.
Como é possível fazer isso?
Agindo diretamente na qualificação dos espaços públicos. Temos de deixar de lado a ideia de investir em quantidade e passar a investir em qualidade. Além das questões óbvias e básicas (como segurança, limpeza e iluminação), é preciso olhar para pontos impalpáveis, coisas mais humanas, como mobilidade, acolhimento, sombra, acesso à internet. São elementos como esses que tornam uma área urbana atrativa e agradável às pessoas. Tudo tem a ver com a qualificação dos espaços públicos. O Centro de São Paulo é uma área plana. É muito fácil trabalhar a questão do urbanismo, o uso dos espaços.
Nesse processo de qualificação, qual, entre os tantos problemas que há no Centro, o senhor considera o que necessita de solução mais imediata?
Realmente, são muitos problemas. Se eu tivesse de citar apenas um, mencionaria a questão dos terminais de ônibus. Hoje, há seis terminais de ônibus no Centro de São Paulo. Isso é um absurdo! Não existe nada assim em nenhuma região central de nenhuma cidade decente do mundo. Esses terminais estão roubando espaços urbanos, áreas que poderiam estar sendo utilizadas pela população, com parques, museus, quadras esportivas, comércio. O centro de uma cidade não é lugar para garagem de ônibus.
E qual seria a solução para esse problema?
Seria muito mais inteligente termos linhas de ônibus circulares, como havia na década de 1970. Nesse modelo, os ônibus fazem a articulação do Centro com os demais bairros da cidade. Facilitaria e agilizaria o acesso da população à área central e, com o fim dos terminais no Centro, a região ficaria muito mais agradável. Como falei, no espaço desses terminais, poderíamos ter parques urbanos, praças arborizadas, centros culturais, restaurantes. Tudo isso ofereceria experiências de prazer às pessoas, produzindo a sensação de pertencimento que hoje não existe.
Recentemente, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) lançou o projeto Vem pro Centro, com o objetivo de valorizar a região e atrair público, comerciantes, empresários e investidores. Como o senhor analisa essa iniciativa?
Acho ótimo que a ACSP esteja assumindo esse protagonismo nas questões do Centro. O Vem pro Centro é um passo fundamental para a presença da entidade na região. Considero esse projeto muito importante para moradores, comerciantes e empresas. Os efeitos de uma iniciativa assim são sistêmicos e amplos. Os envolvidos saem da própria bolha. Temos de envolver a todos, o pessoal da cultura, da economia, do varejo, dos movimentos sociais que lutam por habitação. Todos os agentes precisam romper as próprias fronteiras e dialogar, sempre em prol da cidade. Mas é preciso ter em mente que São Paulo é uma cidade policêntrica.
Como assim?
São Paulo não tem um centro apenas. A cidade é tão grande que há vários centros. No urbanismo, existe uma ideia de que as cidades são sementes que germinam e vão crescendo, se espalhando. São Paulo não é assim. São Paulo é mais como uma árvore com vários ramos que se espalham. Mesmo assim, é crucial termos esse olhar mais voltado à região central, como elemento articulador e agregador dos espaços e das pessoas.
Fala-se muito em revitalizar o Centro de São Paulo. O senhor acredita que esse seja o melhor caminho?
O Centro de São Paulo não precisa ser revitalizado. Precisa ser bem cuidado. Revitalizar, como a própria palavra diz, significa “dar vida novamente”. O Centro não precisa disso. Há bastante vida na zona central de São Paulo. São milhões de pessoas que vivem, trabalham e frequentam a região. Só no Viaduto do Chá, circulam mais de 1 milhão de pessoas por dia. Também não é uma questão de criarmos bons projetos. Há muitos e ótimos projetos para a região. E também há bastante dinheiro sendo movimentado.
Então, o que falta para o Centro?
Penso que falta um projeto agregador, que consiga harmonizar e executar todas as boas ideias elaboradas. Acredito que o Vem pro Centro pode desempenhar essa tarefa, assumindo o papel de ente agregador dos bons projetos que já existem para o Centro.