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Falar em vender produto de porta em porta nos dias de hoje, assim como os vendedores de enciclopédias das décadas de 1970 e 1980, pode parecer até um retrocesso.
Afinal, no mundo do varejo, apresentar-se como uma empresa omnichannel, com lojas física e virtual, virou praticamente uma obsessão, quase uma questão de sobrevivência.
Por mais incrível que possa parecer, nos dias de hoje há empresas, inclusive dos Estados Unidos, que não querem nem saber de omnicanalidade, pluralidade de canais.
Uma das mais antigas formas de vendas do mundo, de porta em porta, que surgiu no século 18, continua sendo a única de empresas gigantes, com receita na casa do bilhão de reais.
O Brasil se tornou um dos principais focos da Hy Cite, fundada há 63 anos, em Madison, nos EUA, conhecida por vender a linha de panelas Royal Prestige no modelo porta em porta.
No país desde 2012, a empresa conta com 250 distribuidoras independentes, que fazem a demonstração das panelas, feitas em aço cirúrgico, e ainda ampliam a rede de vendedoras.
No ano passado, a companhia vendeu US$ 423 milhões em nove países onde está presente, incluindo o Brasil, que representa cerca de 1% deste valor.
Neste ano, a previsão é aumentar em 18% o faturamento no mundo e fechar o ano com 10 mil vendedores, e dobrar os números do Brasil.
“Estamos 100% comprometidos com o negócio do distribuidor independente, pois o nosso produto requer demonstração”, afirma Paulo Moledo, CEO e presidente global da Hy Cite.
Um jogo de panela da Royal Prestige, produzida em fábricas terceirizadas na Itália e no Peru, custa, em média, R$ 7 mil. A empresa financia o pagamento dos produtos em até 30 meses.
Nos primeiros três meses, um vendedor chega a ganhar entre R$ 5 e R$ 8 mil por mês e, dependendo do comprometimento com o negócio, R$ 40 mil, R$ 50 mil.
A servidora pública licenciada Gabriela Silveira, que mora em Brasília (DF), é distribuidora autorizada da Royal Prestige desde 2016 e está num nível avançado de vendas.
A sua carteira de pouco mais de mil clientes permite uma venda de cerca de R$ 1 milhão por mês, sem contar com a de outros distribuidores autorizados, que fazem parte da sua rede.
“Este é um modelo de venda de sucesso porque o produto tem excelente qualidade, garantia de 50 anos, e desejado por famílias”, afirma Gabriela.
Com a pandemia, o número de distribuidores independente da Royal Prestige aumentou cerca de 23% no mundo e no Brasil.
“A nossa proposta de negócio, para o distribuidor, é que a renda seja integral para a família, não apenas um complemento”, afirma Moledo.
Com faturamento de R$ 1,4 bilhão, a Hinode, especializada em fragrâncias e cremes, é outra empresa que não abre mão de sua rede de consultoras para levar os produtos até os clientes.
A empresa, com fábrica em Jandira (SP), começou a atuar em venda direta em 1988 e não parou mais. Em 2017, expandiu o modelo de negócio para oito países da América Latina.
Atualmente, a Hinode reúne cerca de 600 mil consultoras, das quais 80% no Brasil, que se abastecem de 350 lojas franqueadas espalhadas pelo país.
“Há 18 anos escuto que a venda direta tende a acabar. Só que, a cada ano, vejo este modelo se reinventar, crescer”, afirma Eduardo Fraya, Chief Sales Marketing Officer (CSMO) da Hinode.
O modelo de venda direta prospera, de acordo com ele, porque é baseado, principalmente, em relacionamento, confiança e credibilidade.
Com perfil empreendedor, capacidade de formar e conduzir equipes, um distribuidor da Hinode, já na categoria de líder, consegue ganhar até R$ 100 mil por mês.
“Isso mostra o poder de um vendedor, de um influenciador em sua rede de contato. A venda direta é marketing de influência”, afirma Fraya. Se há credibilidade, há venda.
Para ele, optar apenas pela venda direta não significa que a empresa travou no passado.
A Hinode tem loja oficial no mercado livre e remunera os consultores por meio de geolocalizadores.
Se um cliente compra pela plataforma, o consultor mais próximo dele recebe um percentual sobre a venda, mesmo que não tenha participado do processo de venda.
A empresa também disponibiliza um site padrão para o distribuidor vender os produtos da marca.
O Brasil é o 7º maior mercado de venda direta do mundo, estimado em US$ 7 bilhões por ano.
Os Estados Unidos lideram o ranking com venda próxima de US$ 43 bilhões anuais, de acordo com a WFDSA (World Federation of Direct Selling Associations).
No Brasil, 4 milhões de pessoas trabalham com venda direta, número que cresceu 5,5% com a pandemia, de acordo com a ABEVD (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas).
“O mercado de venda direta tem um potencial grande de crescimento no Brasil, afinal é um canal a mais para chegar ao consumidor”, diz Adriana Colloca, presidente executiva da ABEVD.
Com a diminuição nas contratações com carteira assinada, diz ela, este modelo de venda surge como uma oportunidade para empreender com custo baixo e sem riscos.
Última pesquisa feita pela associação mostra que cerca de 68% das pessoas que atuam em venda direta têm de 23 a 40 anos, e são, principalmente, das classes C e D.
As ferramentas de vendas mais usadas por eles são WhatsApp (84,7%), Facebook e Instagram (79,8%), contato pessoal (63,1%) e telefone (32,9%).
“A digitalização facilitou a forma de chegar ao consumidor, pois os empreendedores não estão mais restritos às pessoas ao seu redor. Podem acessar as pessoas de suas redes”, diz Adriana.
Aplicativos de empresas, como os da Natura e da Avon, uma das mais antigas empresas a ter o modelo de venda de porta em porta, ajudam as revendedoras a organizar o seu negócio.
Por meio deles, as distribuidoras, as consultoras, as empreendedoras podem fazer pedidos, controlar vendas e estoques, por exemplo.
Na quinta-feira (20), a ABEVD realizou o 3º Congresso Nacional de Vendas Diretas para discutir as mudanças no setor, como o processo de digitalização, e a entrada de jovens na atividade.
Os homens também estão se interessando mais pela venda direta, correspondendo a 42% da força de venda, de acordo com última pesquisa da associação.