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A paulistana Elaine Cristine Alves, 33, dona de um pequeno buffet, é aquela típica consumidora que não resistiu à abundante oferta de crédito e facilidades para encher a carteira de cartões. Em quatro meses, ela renovou a casa com móveis, geladeira, fogão e TV.
Na hora de pagar as prestações, o orçamento foi insuficiente. Um ano e meio após a decisão de equipar a casa, ela está prestes a sair da lista de inadimplentes.
“Só falta pagar uma prestação de R$ 77. Acabou a loucura. Joguei fora os cartões”, afirma Elaine. “Agora faço conta e quero saber o quanto vou pagar de juros em um financiamento”, disse, na terça-feira (28), enquanto fazia consulta ao SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito,) administrado pela Boa Vista Serviços.
O comportamento de Elaine acaba de ser identificado em uma pesquisa feita pela Boa Vista SCPC pela internet, em parceria com o programa Finanças Práticas. Ao consultar mil consumidores usuários do site Consumidor Positivo (www.consumidorpositivo.com.br), a Boa Vista constatou que 85% deles, pertencentes à classe C, com renda familiar mensal entre R$ 2.030 a R$ 8.700, pelo critério da FGV, controlam os gastos do mês.
Outros dados identificados: de cada cem entrevistados, 94 pesquisam preços antes de uma compra, 83 observam mais a qualidade do produto do que o preço, e 66 consideram mais importante a taxa de juros do que se o valor da prestação cabe no orçamento.
A taxa média de juros para aquisição de bens saltou de 78,1% ao ano em dezembro de 2013 para 82,3% ao ano em dezembro passado.
“O resultado do levantamento surpreendeu, por revelar um consumidor mais amadurecido em relação aos gastos e com o uso do crédito”, afirma Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC.
Será que esta cautela do consumidor com os gastos e com compras a prazo é de fato um aprendizado que veio para ficar, ou reflete apenas a situação do momento?
Para o economista Calife, o brasileiro está mais cauteloso devido ao risco da inadimplência. Some-se a isso o fato de as próprias instituições financeiras estarem mais seletivas na hora de liberar o financiamento.
Em 2011 e 2012, a inadimplência do consumidor atingia 7,74% e 7,96%, respectivamente, segundo o Banco Central. Em 2013 e 2014, as taxas caíram para 6,7% e 6,5%. São números, segundo Calife, que refletem essa cautela do consumidor em relação às compras a prazo.
(DES)CONTROLE DE GASTOS
“O crescimento da renda e do emprego, os juros menores e os prazos mais longos de financiamento contribuíram para o descontrole dos gastos de grande parte dos consumidores”, afirma Marcel Solimeo, economista chefe da Associação Comercial de São Paulo. “Houve, sim, um processo de aprendizado. O consumidor está hoje mais consciente”, diz.
Se há mais cautela e consciência por parte do consumidor, há também mais preocupação e menos confiança na economia. “Se o consumidor está mais cauteloso, não é porque ele se educou ou aprendeu a fazer conta. É porque está com medo de perder o emprego e não pode assumir mais compromissos”, afirma Nelson Barrizzelli, consultor de varejo.
De fato, a confiança dos consumidores na economia é uma das mais baixas dos últimos anos. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV) caiu 6,7% em janeiro na comparação com dezembro de 2014, passando de 96,2 para 89,8 pontos. É o menor índice da série histórica desde setembro de 2005.
Silvio Sales, pesquisador do IBRE-FGV, afirma que este comportamento mais retraído do consumidor vem gerando reflexos no comércio. De janeiro a novembro de 2014, as vendas do varejo, incluindo material de construção e veículos, caíram 1,6%, de acordo com a Pesquisa Mensal do Comércio, do IBGE. Este mesmo indicador cresceu 8% em 2012 e 3,6% em 2013, o que confirma a perda de dinamismo do consumo em 2014.
“A realidade forçou essa consciência em um ambiente econômico muito apertado”, diz Silvio Sales, pesquisador do IBRE-FGV. “Segurança nos indicadores de emprego e renda é fundamental nas decisões de consumo, principalmente em compras que dependem do crédito, como bens duráveis. E tudo isso acirra a competição no varejo, que precisa continuar a vender.
Outras pesquisas conduzidas no final do ano passado já revelavam um consumidor bem mais contido nos gastos. Estudo do Data Popular e da CNC (Confederação Nacional do Comércio) mostrou que 49% dos entrevistados da classe C (neste caso, pessoas com renda per capita mensal de R$ 320 reais a R$ 1.120 mês) estavam com poder de compra menor do que seis meses antes.
“Já havia no último trimestre do ano uma percepção da classe C de que deveria frear seus gastos. As festas de final de ano, contudo, constituem estímulos ao consumo, como sabemos. O final de janeiro começou a cobrar sua conta. Com os pacotes anunciados pelo governo federal, a restrição de crédito será excessivamente forte. Assim, a queda do consumo é algo previsível neste primeiro semestre”, afirma o sociólogo Rudá Ricci.
E não poderia ser diferente. As projeções para a economia brasileira são bastante pessimistas para este ano. A promessa do governo de equilibrar as contas deve resultar em menos investimentos e, portanto, menos emprego. A inflação e os juros devem desestimular a produção e, como consequência, o emprego e o consumo. E ainda é preciso conviver com a crise hídrica e a falta de energia, não no Nordeste, mas em grandes capitais do Sudeste.
É por isso que, na pesquisa da Boa Vista, 54% dos consumidores se consideram equilibrados em relação aos hábitos de consumo e 12%, em hábitos econômicos. Se o mesmo levantamento tivesse sido realizado há dois ou três anos, o percentual que se refere ao grupo de consumistas seria muito maior, segundo Calife
A cautela dos consumidores em relação aos gastos não ocorre apenas nas classes de menor poder aquisitivo. “Isso está acontecendo com todos os brasileiros e reflete o momento econômico do país. Existe uma insegurança, uma instabilidade em relação ao emprego e isso faz com que os consumidores fiquem mais cautelosos para contrair novas dívidas”, afirma Alexandre Van Beeck, diretor de consultoria GS&MD, especializada em varejo.
O comércio, portanto, vai ter de se adaptar a um novo patamar de consumo, pelo menos até que o consumidor volte a ter a segurança de que vai permanecer empregado.